Deslumbrante. O espelho era seu amigo secreto, o egoísmo seu defeito eminente e a liberdade seu brinquedo favorito. De tantos naquele antro já havia ouvido murmúrios, de tantos já sentido o calor insaciável, de tantos o roçar da barba mal feita. Já olhava observadora, escondendo seus desejos por detrás do sorriso arrebatador que carregava pelos cantos. Desejos impuros, pecados aos olhos cristãos. Se os tinha, tão bem mesclado não se notava, nas entrelinhas da libertinagem os sonhos secretos de seus vinte e poucos anos.
Já o rubro do vinho tomava-lhe os lábios: já não mais o amargo da solidão, senão aquela companhia, já fiel, constante, o amigo tão pronto. Sabia-lhe as falhas, apoiava-lhe as manhas, dominava-lhe o gênio e sorria, na luz da embriaguez. 'Aquele', disse ela apontando seus reluzentes olhos verdes, já manchados com o borrar da maquiagem, ao garçom do outro lado da bancada. Num reflexo, à meia-luz do lugar, deslizou-lhe o copo carregado que ia transbordando a agitação que a ela lhe faltava.
De um sorriso ao canto da boca e um passo delicadamente premeditado, eleva sua vontade à altura da música. Delirava. Já não via os demais, já não havia copo, nem segredos, tampouco tristeza, já não havia mais homens. Se lhe desfizera o penteado, se lhe fora o medo irrefreável e graciosamente desnorteada, comemorava a vida, sua vida. Dançava. Do alto de seu salto radiava energia, excitação, desejo.
De um bonito giro, viram seus olhos, em meio ao êxtase total, pararem na figura que se aproximara.
Sua inocência resgatada de alguma memória, seu suspiro morno e seu olhar, agora como de fogo acalmado, trouxeram à tona as sensações reprimidas, aquela carência que se deixava nublar pela tentação carnal. Era agora apenas uma menina, cativa do semblante que à sua vista se montara.
Como desconhecidos; amantes. Nele, as pernas fartas estremeciam. Fitava aquela figura absolutamente perfeita em sua exuberância vital, e salivava. Mãos geladas ocupadas no melhor escocês. Sensação de incapacidade, imobilidade, diante do olhar provocador e dócil que lhe era tão conhecido. Seu porte invejável lhe conferia uma masculinidade letal à distância. Trazia seus olhos negros em par à sua boca úmida, clemente por sacear-se.
E nesse momento estiveram paralizados, atônitos. Mas já nada sucedia. Já não a ele pertenciam os olhos incendiantes, tão menos a ela as pernas, em seu controle noturno, fartas. Já não mais.
Pertencente, seus desejos. A ele, a ela. O calor fulminante, o tocar da pele, o sabor do beijo... já não mais.
A música parou. Ela sorriu. Ele terminou seu escocês.
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